Dra Nilva Ambar Vitorino (Nilvinha) – Endodontista

Conheci Dr. Caio no Congresso da SBENDO (Sociedade Brasileira de Endodontia) em 2014 em Gramado. Mas foi somente em 2016 que o professor Machado me convidou para participar das ações que ocorreriam no Baixo Madeira (Distrito de Nazaré e Lago do Cuniã). Éramos um grupo pequeno e na ocasião o Dr. Caio perguntou se eu iria aguentar, pois tínhamos que subir barrancos e passar por muitos buracos. Olhei para ele e disse: “eu aceito o desafio”.

Era um momento importante desse trabalho: no Distrito de Nazaré realizamos a ata para nos tornarmos uma ONG, tínhamos documentações como fotos, radiografias, depoimentos. Atendemos em Nazaré e nos deslocamos para o Lago do Cuniã.

Nunca mais deixei de contribuir com o voluntariado da ONG Doutores da Amazônia. São ações com disciplina, amorosidade dos colegas, oportunidade de passar seu conhecimento para os necessitados, é um aprendizado de vida, troca de conhecimento profissional, volto das missões energizada. Damos tratamento com qualidade e excelência sem custo algum para os pacientes, levamos amor e carinho sem querer nada em troca.

Quem sai ganhando somos nós, só tenho que agradecer por tudo e a todos. Nunca mais tomei medicações para depressão, isso se deve ao trabalho que realizamos.

Sou cofundadora da ONG, eu acompanhei toda trajetória desde o início e vejo hoje o crescimento, sinto muito orgulho de fazer parte de tudo isso.

Nosso trabalho é muito diferente daquele realizado em um consultório. Muitas vezes precisamos ter criatividade, agilidade e muito conhecimento das técnicas que devem ser aplicadas. Na missão estamos longe de tudo e mesmo assim damos tratamento com biossegurança e tecnologia verde para preservar o meio ambiente.

Sou Endodontista, mas na ONG minha função é a mais importante, realizo a triagem para fazer o planejamento e encaminhar o paciente para os tratamentos necessários. No final do dia, adiciono o tratamento realizado na planilha, assim temos todos os relatórios e onde melhorar na próxima missão.

Em 2018, triei um indígena Suruí que me marcou muito. Era um rapaz de 26 anos, casado com um filho. Trabalhava na roça e quando chegava em casa não sorria para esposa e nem para o filho. A condição bucal dele era tão ruim que pediu que fizesse seu exame em lugar reservado. Era um caso muito complexo, os professores que estavam na ação deram o mesmo diagnóstico: o que você colocar na boca vai fraturar, não vai resistir. Mas eu insisti nas restaurações e, junto com uma colega, iniciamos o tratamento que durou horas de trabalho. Por fim, com muita criatividade conseguimos chegar a um resultado tão satisfatório que após cinco anos, quando voltei à aldeia Paiter Suruí, o rapaz foi me visitar com sua esposa e filho para agradecer e mostrar que não teve nenhuma fratura.

Tive também um caso na triagem de uma menina de 13 anos para fazer tratamento endodôntico. Encaminhei para o professor Machado, que devolveu a paciente para triagem dizendo que seria exodontia (remoção cirúrgica de um elemento dentário). Fiquei indignada: como uma menina de 13 anos iria perder o primeiro molar inferior se dava para tratar o canal? Acabei tendo uma aula magnífica com o professor sobre este caso.

Já passei por muitos casos complexos e apaixonantes. É emocionante devolver a função, a saúde bucal, o sorriso e promover a autoestima do paciente.

Nas aldeias que retornei, devido a orientação de higiene passada no momento da triagem, conseguimos perceber a diminuição dos índices de tratamento.

Vou contar uma passagem muito marcante que vivi numa missão no Lago Cuniã, no Baixo Madeira.

É comum ali, a seguinte metodologia: os barcos pequenos atracam no barco flutuante e descarregam as mercadorias para a comunidade de Nazaré, existe ali uma tábua apoiada no barranco e outra no flutuante. Com o peso forma-se muitas vezes uma barriga na tábua, o que facilita a invasão da água.

Quando eu estava passando pela tábua caí no rio, no mesmo lugar onde anteriormente tínhamos visto um jacaré. O peso da minha mochila colaborou para eu afundar mais ainda. Eu só pensava no jacaré que podia morder minha perna quando eu fizesse movimentos para voltar. Rezei e pedi proteção para eles não encostarem em mim. Quando eu voltei com os braços estendidos, me deparei com aquele azul muito forte no céu e a mata verde, aquele contraste foi lindo, mágico. Eu parecia uma fênix ressurgindo das cinzas.

A partir daí eu senti que foi um aprendizado tão grande, tinha umas 30 pessoas em volta querendo me ajudar. Eu saí dali cuspindo farelos de madeira, porque o Rio Madeira vem lá das Cordilheiras trazendo os troncos de madeira rolando nas águas da cor de madeira. Quando voltei para o Lago Cuniã encontrei o Professor Machado perguntado quem era a moça que caiu no rio? Quando soube que era eu, ele não acreditou: não era uma moça, era uma mulher!

Imagina se eu não soubesse nadar, ficasse desesperada. Ainda bem que eu mantive a calma, a tranquilidade.

Foi uma benção participar das missões da ONG Doutores da Amazônia, eu era uma pessoa depressiva, tomava remédios, situações que aconteceram no meu passado. A partir delas, das viagens, eu nunca mais tomei remédio. Sou muito grata, feliz. Eu não deixo essa ONG por nada, porque ela é muito importante para mim.

Vou contar um pouco da minha história: sou matemática e economista, mas resolvi fazer faculdade de Odontologia aos 48 anos, terminando aos 52 anos. Fiz três especializações. Tinha que correr contra o tempo.

Tenho muitos anos de formada, mas as experiências que tive eram de estudar muito, muito, muito. Meu sonho desde criança era ser dentista, fazer pesquisa, mas ficou inviável porque isso exige dedicação total e não tem remuneração. Enfim, é bom ter o reconhecimento, são milhares e milhares de dentistas e são reconhecidos aqueles que vão para a área de pesquisa ou que realizam palestras de determinados assuntos. E mestrado também não dava tempo para fazer, exige muita dedicação.

Ganhei o apelido de Nilvinha por causa da queda no rio, foi uma forma carinhosa da turma. Toda aquela preocupação comigo, então, isso elevou a minha autoestima. Hoje eu sou reconhecida em vários lugares que vou com a Doutores da Amazônia, isso contribui muito na minha formação acadêmica, como também pelos pacientes que me acompanham. Você é uma pessoa, tem um nome, um registro, não é como se você tivesse numa cidade grande e alguém passasse por você e nem bom dia você tem. Ou num elevador, você é apenas mais um.

Dessa forma, esse trabalho me eleva, me incentiva, eu fico mais engajada ainda. Estou com 65 anos e continuo estudando, é uma forma de crescer e ter mais conhecimento científico e profissional.

Eu que criei o formato utilizado na triagem e é lá que tudo começa a acontecer. O importante é ser rápido, consciente, com mínimo de erros e direcionar os pacientes para cada sala. Eu me sinto muito orgulhosa por ter desenvolvido esse trabalho dentro da ONG.

Eu reconheço o meu trabalho, é lógico que eu cometo erros, mas é uma criação minha, me sinto importante dentro disso tudo, dentro da minha essência. Trabalhar na Doutores da Amazônia me eleva muito espiritualmente e profissionalmente.