Dr. Felipe Machado – Cirurgião Dentista

Toda nossa história começou em 2014 quando o Caio foi convidado para ser coordenador de uma ONG chamada NAPRA, Núcleo de Apoio à Comunidade Ribeirinha, a qual ele já tinha participado como estudante havia uns 10, 15 anos.

Em 2014, havia acontecido a maior cheia dos últimos anos no estado de Rondônia e ficamos sem saber se conseguiríamos desenvolver o trabalho que havíamos planejado. Fui eu, o Caio e nosso pai que queria desenvolver uma técnica para fazer canal com qualidade em qualquer tipo de região.

Quando chegamos na Comunidade de Nazaré, enfrentamos muitos problemas devido à precária estrutura da cidade com várias famílias desalojadas, a região estava devastada. Primeiro, fomos ao Posto de Saúde, mas lá não havia condições de realizar operações, então partimos para outra opção que foi o Bar Hollywood do Sr. Aluísio. Conseguimos levar a cadeira odontológica utilizando um trator e nós três começamos a realizar os atendimentos (eu ainda era estudante). No meio disso tudo, percebemos que meu pai tinha esquecido um material superimportante para fazer tratamento de canal, então o Caio teve que voltar para pegar, demorando três dias.

Só tinha aquela cadeira odontológica que utilizávamos para fazer alguns tratamentos de canal e ART, que é o processo de remoção manual de cárie e proteção, principalmente em crianças, as cirurgias eram realizadas numa mesinha improvisada. Deu tudo certo, atendemos a comunidade Nazaré e a Reserva Extrativista do Lago do Cuniã.

Meu pai e o Caio já estavam com um projeto em mente, enquanto íamos para as missões no NAPRA até 2015. Nessa época, eu já estava formado e aumentamos o grupo com um estudante de odontologia para fazer o mesmo tipo de atendimento nessas regiões.

O Caio observava muita burocracia, muita complicação, porque na odontologia é necessário ter um planejamento bem cedo para a gente conseguir ir atrás do material e tudo o mais. Então, com os coordenadores nesses lugares, a gente não tinha uma comunicação tão boa e, em 2015, acabamos rompendo com o NAPA.

Em 2016, no próprio bar Hollywood criamos a ONG Doutores sem Fronteiras e fizemos nossa primeira missão: levamos mais de 20 voluntários e equipamentos para aumentar o número de atendimentos. Foi nesse momento que nós começamos a ter visibilidade na mídia e conseguimos um pouco mais de apoio, sempre atendendo as comunidades do Baixo Madeira.

Em 2017, tivemos o contato com a Neidinha da Kanindé, líder da Associação de Defesa Etnoambiental, que ajuda a mobilizar 52 etnias em Rondônia, para desenvolver o trabalho em terras indígenas. Foi um desafio muito grande porque nunca tínhamos estado em terras indígenas.

Eu não consigo falar numa missão específica que eu mais gostei. Posso falar que a do povo Suruwaha foi bem desafiadora porque é um povo bem isolado, que tem costumes muito antigos e que não tinha tanto contato com o branco e nem desenvolvia nada da nossa prática de vida. Fomos com o apoio do exército e chegamos de helicóptero. Nessa missão, desenvolvemos um trabalho de prótese, fizemos tratamento de canal, CEREC (sistema odontológico que produz coroa, facetas, pontes fixas e próteses sob um implante em uma única sessão).

Ao participar das missões, percebemos a realidade da saúde e isso vem nos motivando ainda mais em participar dos Doutores da Amazônia. O que conseguimos levar para esses povos isolados é algo que jamais eles imaginariam.

Apesar de fazermos um trabalho genuíno, principalmente com os povos indígenas que têm cultura, cobranças e necessidades de comunicação bem diferentes, acreditamos que no final nós ficamos muito mais satisfeitos do que propriamente eles, eu posso pensar que seja assim. É uma pressão muito grande antes de chegar nas missões, tem o planejamento, a busca de apoios, a programação da logística, são muitos detalhes, por isso a missão em si acaba sendo mais leve. Quando chegamos no local, os maiores desafios já foram transpostos.

É uma responsabilidade muito grande levar especialistas e estudantes para uma região de difícil acesso, em lugares que têm uma infraestrutura precária. Com o tempo fomos evoluindo, conseguindo mais apoio, adquirindo mais estrutura e mais voluntários.

O nosso sucesso se deve ao nosso trabalho que sempre foi muito sério em relação aos atendimentos. A Doutores da Amazônia surgiu para levar saúde de qualidade às comunidades carentes, esse é o nosso legado, e não se pensar como uma empresa.

Essa experiência tem sido muito importante para o meu crescimento pessoal e profissional. Me possibilitou conhecer a realidade da saúde no nosso país, enxergar as diferenças culturais, ver de perto como o governo atua na área da saúde e o envolvimento de agentes distritais. Nós viemos para somar e é muito gratificante conseguir realizar esse trabalho tão importante nas comunidades.

Eu não sei dizer qual a missão mais emocionante, mas sei que sou muito grato por realizar sempre todos os trabalhos que são propostos.

Acho que a missão mais emocionante foi a primeira, ver o início e como tudo isso se transformou, o que era uma ideia virou uma organização. Dá para ver como somos capazes com tão pouco e de poder trabalhar junto com o meu irmão e com meu pai, que são pessoas que eu admiro e me inspiram. Não tem nem o que falar em relação a isso.

É muito interessante ver essas diferenças de cada cultura, mesmo os indígenas, cada povo tem seu jeito, seu método de vida. Essa é uma grande riqueza do nosso país. Foi fundamental trabalhar nesses lugares para entender os povos originários, as comunidades ribeirinhas e realmente entender que o problema de saúde é muito maior do que pensávamos. Nós somos privilegiados, podemos estudar, viver em lugares com acesso a tudo a qualquer momento. Conhecer cada uma dessas culturas me trouxe todas essas questões muito relevantes.